segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

A donzela e o libertino


Tão feliz miúda
Tão faceira pequena
Um mimo meigo de menina
Sorriso de brilho tão radiante
Bonequinha tão bonita que até mesmo eu tenho tanto terror
Se minha quase fantasia se realizasse
(Aquela que se insinua incompleta na parte de trás do devasso coração)
Certamente te quebraria.
E você choraria tão sincero e sentido
Que teu pai diria:
"O que fizeram com minha pobre filhinha?!?"

Mas seus seios são de mulher!
Ora essa!
Sua cintura bem definida!
Você tem minha idade!
Ora essa!
Adulta formada e desenvolvida!

E tento esforçado criar imaginando
Outra atmosfera, outro humor, outra disposição
Transformar-te em outra boneca.
Essa, refletindo-me,
Também pervertida.

Mas

Você é a garota (nós dois com sete anos) que brinca comigo perto do escorregador
E, espremendo os olhinhos, ri seu sorriso delicado
E, apontando um passarinho, sorri sua risada afável

E é tão boa
Tão linda
Tão iluminada
Tão amiga

Que esse velho safado de hoje e de realidade
Não ousa, sequer em sonhos,
Brincar contigo.

terça-feira, 24 de janeiro de 2017

Embaraço do corpo

Minha carne prenhe da tua
Fecundada pelos olhos
Grávida de desejo em gestação
Que esperneia para nascer
Em gozo.

quarta-feira, 9 de novembro de 2016

Amor de verão

Amor de verão

Olhava para aquela pequena e notava nele mesmo um afeto tão forte e convincente que parecia impossível que ela não o sentisse também. Como se seu sentimento fosse algo palpável fora de uma subjetividade interior e fechada. Acreditar que ela não percebia e não participava de algum modo do mesmo sentimento seria o mesmo que acreditar que não viam, juntos, aquela parede ali, a dois metros de distância.

Mas, logo em seguida, o desespero tomava conta dele: racionalmente, embora não o sentisse, chegava à fatal conclusão de que tudo estava dentro e escondido em si; que ela nem sabia que alguém a olhava; que seus mundos estavam, sim, fechados: o dela separado e distraído; o dele coberto, evidente só para si mesmo e, logo, inexistente para ela. Aquela mulher que nunca vira antes e que amava intensamente por esses trinta minutos. Aquela linda pequena com quem esperara, três pessoas atrás, sua vez na fila do banco.


Voltando sozinho e quieto pensou que nem sequer a parede existiu para a linda enquanto ela estava no banco. Por acaso ele notara todas as cadeiras, cortinas, mesas, lâmpadas, interruptores, detalhes do chão, da sala em que esperavam? Lembrou-se do rostinho fino, do narizinho bem desenhado e um pouco arrebitado, da pele branquinha fazendo contraste com os cabelos negros. Por acaso não era possível que alguém também o tivesse verdadeiramente notado notado como ele vira a pequena, não o olhar sem significado e exploração que mal direcionamos a anônimos que cruzam nosso caminho como pano de fundo e paisagem. Por acaso não era possível que ele também estivesse alheio a um mundo do qual fazia parte? Novamente pareceu-lhe muito incrível que algumas pessoas vissem algumas coisas que outras não pudessem ver. Ela tinha a mania de morder a bochecha por dentro fazendo um biquinho encantador para o lado; aqueles lábios finos e bem desenhados. Não seria o caso de invadir o mundo do outro e fazer aparecer evidente a realidade? Certamente se houvesse dito "ei, moça, olha essa parede" passariam a notar a mesma coisa. O que estava só para ele se tornaria para os dois. Dois mundos conectados. Ou o mundo único dela agora aumentado. Entra no carro, fecha a porta, porém não dá a partida. Olhando através do para-brisas não olha para as coisas que estão lá fora. Do coque que ela fizera caiam duas mechas sobre o pescoço magro. Será que seu sentimento seria tão fácil de mostrar para ela como a parede? "Ei, moça, olha esse carinho que sinto por você". Talvez ela não conseguisse ver. "Talvez"? Certamente ela não conseguiria ver. É preciso ter o olho treinado para essas coisas. Lembra que quando era criança recebia da mãe a tarefa de limpar as calçadas. Findo o trabalho, a mãe vinha inspecionar. Era incrível como ela conseguia ver tanta sujeita que a ele passara despercebida. Com o tempo aprendera a limpar melhor, aprendera ver a sujeira que antes deixava para trás. Hoje em dia, não pode ver o chão de seu apartamento sujo sem que sinta um impulso quase incontrolável de limpá-lo. Não sabe se a comparação funcionaria nesse caso. Pode ser que ele mostrasse para ela seu sentimento, mas ela o desprezasse. E daí que há sujeira? Não interesso-me por limpar! Mas será que notar a mesma sujeira que a mãe notara não incluía já perceber uma sujeira que deveria ser limpa? Será que se ela conseguisse ver o mesmo sentimento que ele teve não teria fatalmente que ver algo belo e doce e desejável? E para ver a mesma coisa, não teria ela que sentir a mesma coisa? Será que se conseguisse fazê-la ver, seria impossível para ela permanecer impassível ou sentir aversão? Afinal de contas, não sentira algo de indiferente e desprezível. Não foi isso que vira. Lembra-se de um filme em que o ex-namorado maníaco prende e amordaça a pobre moça desesperada. A explicação que ele sempre repetia, algo como: "eu só quero que você veja que eu te amo. A gente foi feito para ficar junto. Por que você não acredita que eu te amo?" Talvez desesperasse o maníaco o fato de que não viam o mesmo sentimento. Ele via amor puro, ela via loucura. Será que se, em uma situação ideal de comunicação plena, os dois tivessem tido a oportunidade de mostrar um para o outro o que viam eles acabariam encontrando uma experiência comum? Parece que sim, parece impossível que duas pessoas um dizendo que a parede é totalmente lisa; o outro, que é toda áspera continuem olhando e mostrando (veja aquele canto todo enrugado, passe a mão e veja como não machuca) um ao outro sua percepção sem que acabem por ver a mesma parede. A não ser que fechem os olhos durante a discussão. Será que se tivessem muito tempo juntos, situação ideal novamente, a pequena acabaria por convencê-lo que seu carinho e amor não passam de mal-entendidos? Levanta os olhos que havia posto sobre o volante, a vê saindo de uma loja a uns 200 metros e caminhando em direção ao ponto de ônibus. Meudeus, que linda! Não que ela tivesse aquela beleza deslumbrante e chamativa que faz todos os homens virar o pescoço. Provavelmente ela não ganharia nenhum concurso de miss Brasil e nem apareceria em nenhum comercial de televisão. A beleza dela era algo mais particular, algo mais único, algo que tinha impressão que só ele via quanta contradição! Não deveria todo mundo conseguir ver? Não importava. Ele via e a achava mais bela que a miss, mais bela que a moça da televisão. Um tipo de beleza mais profunda, não sabe explicar. Que linda! Agora ela espera no ponto de ônibus. A oportunidade perfeita, até parecia que estava dentro de uma obra de ficção. A vida não tem dessas coincidências Mas fazer o quê? Ir até lá e oferecer uma carona? Instantaneamente vê com que olhos ela o olharia, como ele apareceria em sua visão. Não se identificava com aquele que a moça veria quando ele se aproximasse dela. Aqueles homens que ficam importunando cada mulher que veem e tentam criar cantadas baratas: inconvenientes e desprezíveis! Não, não queria aparecer para ela o que realmente não era. Como ser diferente e mostrar-se de verdade? Não era a primeira parte dessa pergunta que aqueles oportunistas baixos sempre se fazem um modo diferente de surpreender a preza? O ônibus dela chegaria a qualquer momento. Se de algum modo pudesse realmente conversar com ela, se pudesse francamente fazê-la ver ou pelo menos mostrar o que via… O ônibus chega, ela é a quarta ou quinta na fila. O primeiro, o segundo, o terceiro entra. Quantas cantadas importunas a pobre não tem que ouvir todos os dias? Um bando de machos brutos e no cio rodeando a delicada flor. Ela sobe os degraus, a porta se fecha. Ele ainda tem um movimento impulsivo de ligar o carro, seguir o ônibus, ver onde ela desembarcará… Afinal de contas, o que sentiu não era coisa ordinária; precisava fazê-la ver. Mas aí sua mão larga a chave, reclina-se novamente no banco. Ela lhe mostraria com um simples olhar quão absurdo e inconveniente era seu sentimento. De certo modo, ela já o fez. Ele agora olha o ônibus que se afasta cada vez mais. Parece ainda conseguir divisá-la linda! linda! - lá dentro.

quinta-feira, 23 de junho de 2016

Resistência

Há um tipo de resistência que nada mais é do que má força.
Teimosia.
Há um tipo de fraqueza que é entrega.

Às vezes resistente, sou forte antes da hora, sou forte na ocasião errada, contra o inimigo errado.
Às vezes resistente, não ouço a voz de minha consciência
Sempre mais dinâmica do que eu.
Ou a escuto, lá no fundo, e determinadamente não presto atenção.

Mas há também a força boa.

Às vezes fraco e inconstante, não sou inconstante nem fraco: sou dinâmico e desprendido como a voz da consciência.

Mas há também fraqueza e inconstância ruins.


Ah, se eu pudesse sempre lembrar que sou sinônimo de demônio!
Que sou o centro do pecado!
Então lembraria que a força e a fraqueza más são aquelas que vem de mim.

Mas também sou deus
Sou o deus que ultrapassa a mim mesmo.

Ah, se eu sempre pudesse lembrar!
Então não confundiria 
Então a mim mesmo me entragaria
E nunca me permitiria 
A mim mesmo me entregar!

sábado, 30 de janeiro de 2016

Transa

Naquele momento

Maria olhava para joão e só para João. Não existia mais nada ou ninguém para Maria além de João, nem mesmo Maria. João olhava para Maria e só para Maria. Não existia mais nada ou ninguém para João além de Maria, nem mesmo João. 

No entanto, João se via e Maria se via. É que Maria olhava para João olhando Maria e João olhava para Maria olhando João. João e Maria se viam, mas não diretamente. Se viam como que por tabela, usando os olhos do outro. Isso porque Maria não estava presa dentro de Maria e nem João dentro de João: Maria estava livre em João e João em Maria.

E João não via somente Maria olhando para João: via Maria olhando para João que olhava para Maria que olhava para João. O mesmo acontecia com Maria.

E nesse infinito reflexo (espelho que de frente olha espelho) João e Maria realizaram o milagre misterioso e comum da completa comunhão. 

domingo, 8 de março de 2015

Milagre

O professor de matemática
Depois da décima aula
No final do dia
Um dia se surpreendeu
Fato maravilhoso!
Ao apagar o quadro
Não mais viu um triângulo retângulo

Mas um espaço para colorir

quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

17 segundos

Diligentemente sobrecarregado em seu mundo de milhares de letras feias, conhecimento produtivo, árido e respeitado,
De repente é interrompido por meros 17 segundos:
Deusa tímida, doce e titubeante quer mostrar seu bronzeado;
Aquela marquinha insignificante, frívola e fútil de onde não deveria vir nenhum significado.
17 segundos e ela já se foi e o escritório dele novamente já está fechado

17 segundos de inutilidade
Mas onde agora estão os livros?
Onde as letras?

Onde a profundidade?